domingo, 14 de junho de 2009

Daniel Pennac apresenta-se ...

"Eu era, portanto, um mau aluno. Na minha infância, chegava todos os dias a casa perseguido pela escola. As minhas cadernetas reflectiam a censura dos professores. Quando não era o pior da turma, era o penúltimo. (Bravo!)
Impenetrável à aritmética primeiro, à matemática em seguida, profundamente disortográfico, refractário à memorização das datas e à localização dos pontos geográficos, inapto para a aprendizagem de línguas estrangeiras, considerado preguiçoso (lições não estudadas, deveres por fazer), levava para casa notas lamentáveis que nem a música, uma qualquer actividade desportiva ou extracurricular, de resto, conseguia remediar.

Essencialmente falador e brincalhão, mesmo farsante, criava amizades com todos os colegas de turma, cábulas alguns, sem dúvida, mas também marrões - eu não tinha preconceitos. Alguns professores criticavam-me acima de tudo esta alegria. Aliava a insolência à nulidade. O mínimo que um cábula podia fazer era ser discreto: nado-morto seria o ideal.
Simplesmente, a minha vitalidade era-me vital, se assim se pode dizer. A brincadeira furtava-me à tristeza que me invadia logo que sucumbia à minha humilhação solitária. Meu Deos, a solidão do cábula humilhado por nunca conseguir fazer o que deve! E a vontade de fugir ... Senti muito cedo a vontade de fugir.
Para onde? Deveras confuso. Fugir de mim mesmo, digamos, e contudo sem deixar de ser eu próprio. Mas um eu que os outros aceitassem."
Excertos de Daniel Pennac, Mágoas da Escola, Porto Editora, Abril/2009

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