domingo, 22 de março de 2009

LER (noutros tempos)

" - Pára de ler, vais estragar os olhos!
- Vai lá para fora brincar, está um dia lindo.
- Apaga a luz! Já é tarde!
Nesse tempo, os dias estavam sempre demasiadamente bonitos para os desperdiçar com leituras, e as noites eram demasiadamente escuras.
Note-se que, quer se lesse quer não se lesse, o verbo já era conjugado no imperativo. Mesmo no passado já era assim."

Daniel Pennac, Como um Romance

LER

"O verbo ler não suporta o imperativo. É uma aversão que compartilha com outros: o verbo amar ... o verbo sonhar ...

(...) - Vai para o teu quarto e lê!
Resultado?
Nada.
Ele adormeceu sobre o livro. De súbito, a janela pareceu-lhe aberta de par em par, por onde ele se iria evadir, voar, para fugir ao livro. Mas era um sonho acordado: o livro continuava aberto diante dele. Se abrirmos uma nesga da porta, lá está ele, sentado à sua mesa, sabiamente ocupado a ler. Mesmo que tenhamos subido a escada pé-ante-pé, a superfície do seu sono avisou-o da nossa chegada.
- Então, estás a gostar?
É claro que a resposta não vai ser negativa, seria um crime de lesa-majestade. O livro é algo sagrado, como é possível que haja quem não goste de ler?
Não, ele dirá que as descrições são demasiado longas.
Tranquilizados, voltamos ao nosso posto diante da televisão."


Daniel Pennac, Como um Romance